03/06/2020
Tenho pavor aos dias comemorativos. Parece que somente neste dia pensamos no tema e nos demais voltamos a nossa inércia. Isto sempre me ocorreu em dias de índios, de consciências, de independências e tantos outros. O nosso país tem memória curta e não consegue trabalhar adequadamente com seus problemas de longo prazo. E com a obesidade é exatamente a mesma situação.
Há mais de 30 anos estamos passando por uma fase conhecida no mundo da epidemiologia como Transição Nutricional. Isto é, estamos passando por uma mudança de problemas nutricionais, em que tínhamos um grande número de pessoas desnutridas, para um país ou região com um grande número de pessoas com excesso de peso. Já temos mais de 59% dos adultos do Brasil com peso acima do adequado. Calcula-se que quase 2 em cada 10 crianças do nosso país estão com obesidade. E daí?
O que importa que tenhamos crianças gordinhas? Não era o nosso sonho de “consumo” de muitos anos atrás? Que as nossas crianças não fossem magrinhas, que não fossem desnutridas, e que tivessem bochechas gordinhas, gordurinhas e dobrinhas que dão vontade de morder? Pois é, hoje sabemos que o excesso de peso e a obesidade na infância não são condições estéticas e sim um problema de saúde. E grave. E que pode ser perpetuado até a idade adulta, levando a uma grande quantidade de quadros clínicos e comportamentais.
Talvez tudo possa ser explicado por um equilíbrio inadequado entre o que comemos e o que gastamos. Estamos comendo mais e pior, estamos fazendo menos atividades físicas e recreativas com adequado gasto energético. Mas o problema provavelmente começa antes. A forma de alimentação da gestante, o ganho de peso durante a gravidez, o peso de nascimento, o aleitamento materno inadequado ou não mantido. Temos de pensar até no tipo de parto, com o grande número de cesarianas.
Tudo isto são os chamados fatores de risco para o excesso de peso futuro. A isto se somam aspectos conhecidos como uma introdução incorreta de alimentação complementar, o uso precoce de açúcar, de alimentos não adequados para a idade, alimentos prontos, o substituir de refeições ou mesmo o chamado “pular” refeições.
Nas escolas públicas temos uma merenda ainda desigual e desenhada para tempos passados em que a desnutrição era predominante. Nas escolas públicas de crianças maiores e adolescentes e nas privadas temos cantinas que variam de uma janela que vende pastel a grandes centros de venda de um monte de quinquilharias que nada tem a ver com um centro educacional.
Comemos mais comida fora de casa (e não estou falando de tempos de pandemia). Comemos mais lanches mesmo que adequados, mais frequentemente do que devíamos…
Mas qual o grande problema da obesidade na infância? Esta resposta pode ser facilmente verificada por um grande número de coisas que acontecem no dia a dia: o bullying começa em casa (você é gordo, guloso, cheinho…). E ainda justificamos: meu filho é forte, não é gordo. E os nossos pediatras e profissionais de saúde muitas vezes desconsideram os ganhos de peso, sem vislumbrar que a tendência pode desviar a curva em pouco tempo.
E o assédio continua nos parentes, nos vizinhos e amiguinhos. E chega à escola, onde o gordinho é perseguido e, às vezes, se transforma em reativamente um perseguidor. E começam a aparecer os problemas de pele (assaduras nas dobras, feridas, infecção do tecido subcutâneo e irritações). Aparecem também os problemas de postura, associação com pé plano, joelhos que não aguentam o peso, a barriga proeminente joga o eixo do corpo para a frente…
Mais tarde, a pressão arterial aumenta e quase uma em cada três crianças com excesso de peso tem hipertensão arterial. E a bioquímica muda: o colesterol, os triglicérides, a insulina aumentam. E temos uma condição chamada de resistência insulínica, relacionada de alguma forma ao diabetes. E mais infartos, doenças cardiovasculares, derrames e mais dieta por toda a vida.
Será que consegui me fazer entender e dizer a vocês por que um dia não é suficiente? Temos de ter todos os dias alguma forma de prevenir e tratar a criança e o adolescente com excesso de peso.
Pode ser que isto não ocorra, mas pelo menos neste dia 3 de junho, pense na obesidade e não ache que este problema é só do adulto…
Saiba mais: Precisamos falar sobre a obesidade infantil
DR. MAURO FISBERG Nutrólogo, pediatra e coordenador do Núcleo de Nutrologia e Metabolismo do Instituto PENSI
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