Com a palavra, Dr. Mauro Fisberg
Minhas pegadas na areia somem arrastadas pela maré. Desaparecem em alguns minutos e não deixam qualquer sinal de que estive presente. Mas minha pegada de carbono parece que pode modificar o destino dos meus descendentes. Minha respiração pode contaminar o ar de futuras gerações. Meus hábitos alimentares podem determinar risco epigenético para minha herança. Meu sedentarismo contribui para a inércia e a preguiça mundial. Se compro uma embalagem plastificada, sou responsável pela morte de milhões de baleias e tartarugas. Se compro um produto não orgânico, estou matando de fome milhares de camponeses que dependem de mim para a sua sobrevivência.
Meu complexo de culpa faz a alegria dos meus analistas. Minhas trocas metabólicas garantem a consulta para meus clínicos.
Já não sei onde estou, para onde vou e o que sou. Não posso ter prazer ou posso comer o que eu quero. Como nutrólogo, se entro em uma fila de comida em buffet ou restaurante por quilo com meus alunos, sou questionado a cada item que coloco no prato. Tenho de ser exemplo e ser absolutamente correto. E o que eu faço com meu file à parmegiana? Tento esconder debaixo das folhas da salada … Doces? Só lá fora no café; afinal se acompanhado de um cafezinho, não sou tão julgado. Mas como vou ficar tranquilo sabendo que a vaca que forneceu meu bife foi morta em sofrimento. Será que a morte sofrida ou não sofrida e tão diferente assim? Um choque ou morrer de velhice no pasto. Uma escolha que como seres humanos não temos.
Mas voltando as pegadas, eu só posso dizer que não sei qual a minha culpa para as gerações vindouras. Acho que algo ajudei, por que ensino equilíbrio. Mas num mundo polarizado, equilíbrio talvez seja confundido com em cima do muro…
Meu risco é de que cada passo que eu dei na vida tenha gerado uma impressão negativa na conta corrente de salvação da humanidade. Comi pizzas, hambúrgueres, bolos, empadas, chocolates. Com isto contribui para a mortalidade da espécie humana por conta de ter cedido a indulgencia. Contribui para a riqueza de empresas grandes e empobreci o pequeno fabricante. Comi saladas e com isto destruí a mata atlântica? Ai, este carbono bem que poderia ter se transformado em um diamante e minha consciência estaria super tranquila.
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