Quem nunca ouviu a clássica expressão ‘meu filho não come nada’ durante uma conversa informal com outras mães e pais? Segundo o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, professor associado do setor de Medicina do Adolescente da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), dificuldades alimentares estão entre as principais queixas em consultórios pediátricos mundo afora, e são difíceis de diagnosticar de forma correta. “As causas podem abranger de uma simples cárie dentária até problemas mais graves. Além disso, normalmente, ninguém dá muita atenção, porque parece que é algo banal e vai se curar sozinho.”
Segundo o professor, do ponto de vista clínico o questionamento óbvio seria: a criança tem uma doença ou um problema comportamental? “Mas às vezes as coisas são simultâneas. Para se fazer o diagnóstico é preciso pensar qual o tipo clínico que essa criança apresenta, qual seu padrão de desenvolvimento e como a família se comporta em relação a esse quadro. O diagnóstico é resultado da interação desses fatores.”
Fisberg, que também é coordenador do Centro de Nutrologia e Dificuldades Alimentares do Instituto Pensi, ligado ao Hospital Infantil Sabará, avalia em primeiro lugar se a criança tem um problema clínico orgânico. “Estamos falando de um quadro que inclui alguma alteração gastrointestinal, cardiorrespiratória, algum problema pulmonar ou qualquer outro que possa estar influenciando a rotina alimentar da criança. Se ela não apresenta um quadro clínico orgânico alterado, então começo a pensar nos quadros comportamentais.”
Tipos clássicos – De acordo com o pediatra, há três tipos clássicos de diagnósticos de quadros comportamentais por meio de características de alerta. “Os primeiros são os seletivos, que é um grupo muito complexo. Porque todos nós somos seletivos e escolhemos os alimentos que queremos comer. O homem come desde insetos até animais grandes. Plantas grandes e pequenas. Coisas que nadam, coisas que voam... E ele pode selecionar. Mas a seletividade começa a ser importante quando ela fica extrema, e se traduz numa recusa a grandes grupos alimentares.”
Um exemplo: as mães se preocupam muito quando os filhos não comem frutas, verduras e legumes. “Uma queixa muito comum é: ‘meu filho não come arroz e feijão. Ele come macarrão, mas não come arroz e feijão.’ Bem, se formos pensar globalmente, eu diria que menos de um terço do mundo come arroz e feijão, separados. Juntos, praticamente só os brasileiros. Então, não é uma queixa tão importante assim. Mas existe um grupo dentro dos seletivos que merece atenção redobrada, que são os que têm aversão sensorial, ou seja, uma hiposensibilidade sensorial ou uma hipersensibilidade sensorial. Na verdade, todos nós trabalhamos com nossos órgãos do sentido quando nos alimentamos – a gente olha a comida, cheira, sente a textura. Mas pode ser que a criança não goste de tocar alimentos gordurosos, pode ser que ela não goste de alimentos crus, ou amarelos, ou crocantes.”
O segundo grupo são as crianças que comem pouco ou têm diminuição do apetite – algo que, em algum momento da vida, acontece com quase todo mundo. “Toda criança normal já teve falta de apetite. Comemos mais em determinadas situações e menos em outras. Alguns comem menos quando estão tensos, por exemplo, outros mais. Ao mesmo tempo, e por outro lado, a inapetência às vezes pode configurar uma situação que nos dá um sinal de alerta para algo mais complexo: pode indicar desde uma relação complexa com algum tipo específico de alimento até uma doença, ou uma situação de abuso, por exemplo.”
Por fim, o terceiro grupo é o dos fóbicos – aqueles que sofrem de algo que pode ser descrito como um pânico alimentar. De acordo com Fisberg, essa é uma ocorrência menos comum. “Inclui crianças que tenham passado por situações traumáticas como uma intubação, mesmo uma endoscopia ou algum procedimento mais complexo. Hoje sabemos que para provocar uma fobia basta forçar uma criança a se alimentar quando ela está nauseada, por exemplo. E a reação fóbica é muito característica. Não é uma criança que chora quando você apresenta o prato. Não é uma criança que empurra o prato. Ela tem taquicardia, sudorese, arqueia o corpo; é uma situação de angústia. E essa reação pode ser ao alimento, a um objeto utilizado para alimentá-la, ou até mesmo ao cuidador.”
Consequências – Fisberg destaca que a família é um fator importante tanto para o desenvolvimento do problema quanto para a condução do diagnóstico, e que há diferentes estilos de famílias. “Há os rígidos, como antigamente; há os que não se envolvem com a educação dos filhos; há os que a terceirizam; e há os permissivos. Existe ainda um grupo que chamamos de ‘normais’, e que teoricamente sabem o que acontece com os filhos, como e por que eles se alimentam, ou não se alimentam. Mas esse diagnóstico das famílias também é difícil porque, como pais, todos nós em algum momento já fizemos todos esses papéis.” Segundo o pediatra, as consequências de ‘deixar de comer’ podem ser várias, mas as realmente preocupantes do ponto de vista médico são três: imunidade, desenvolvimento (crescimento) e, principalmente, a possibilidade de que a criança esteja com alguma carência específica.
“A repercussão nutricional que deverá ocorrer depende da restrição nutricional que está em curso. Se a criança não come lácteos, provavelmente pode vir a ter deficiência de cálcio; se não come frutas, legumes e verduras, pode ter deficiência vitamínica mineral. Mas já constatamos em nosso laboratório que em poucos casos a dificuldade alimentar provoca alterações nutricionais realmente graves, e muitas vezes o que nossas crianças têm, na verdade, é excesso de peso, porque elas usam um grupo de alimentos de que elas gostam e acabam comendo mais do que o necessário.”
Fonte: Alimentos sem mitos
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