Por Naíma Saleh - atualizada em 18/10/2016 13h13
Se a sua dieta é isenta de carboidrato, glúten ou lactose, é provável que seu filho queira seguir seus hábitos. Mas você sabe os riscos que essas restrições sem indicação médica podem trazer para o desenvolvimento dele?
Nos últimos anos, o glúten, a lactose e as gorduras, em especial, parecem estar na berlinda. Dizem que são inflamatórios. Incham. Provocam estufamento. Atrapalham a perda de peso. Todo esse apelo fez com que muitas famílias cortassem ou reduzissem o consumo dentro de casa, trocando o pão pela tapioca, banindo massas e arroz ou deixando de lado leites e queijos. “Hoje, por conta de modismos, algumas pessoas fazem um verdadeiro terrorismo à mesa. Mas não há por que estabelecer restrições alimentares para crianças que não têm intolerância ou alergia”, explica a nutricionista Elaine Cristina Rocha de Pádua, autora do livro O que Tem no Prato do Seu Filho?
Se, para os adultos, excluir certos alimentos traz sérios impactos ao organismo, desde deficiência nutricional até o famoso “efeito sanfona”, para as crianças pode prejudicar o desenvolvimento físico e cognitivo, além de marcar profundamente a forma como os seus hábitos serão sedimentados. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Aston, no Reino Unido, com crianças de 3 a 5 anos, revelou que aquelas cujos pais tentavam controlar mais sua alimentação apresentaram maior tendência a desenvolver uma relação emocional com a comida, buscando alimentos não por fome, mas por estresse ou tristeza.
Além disso, toda vez que se corta algum grupo alimentar, a dieta imediatamente fica desequilibrada. “A exclusão é um erro nutricional, que vai apresentar consequências para a criança no futuro”, alerta o pediatra e nutrólogo Ary Lopes Cardoso, chefe da unidade de nutrologia do Instituto da Criança (SP). Por isso, mesmo nos casos de obesidade infantil ou de crianças com problemas de saúde, como colesterol alto e diabetes, raramente os pediatras eliminam uma categoria inteira de alimentos. Apenas cuidam da qualidade e das quantidades dos nutrientes consumidos.
Entenda por que carboidratos, gorduras, sal, glúten e leite são, sim, importantes na dieta do seu filho, e veja como aproveitá-los da melhor forma.
CARBOIDRATOS E AÇÚCAR
No grupo dos carboidratos estão incluídos pães, massas, grãos, que são a base da nossa alimentação, e também o açúcar – ou seja, os doces. São eles que fornecem energia ao organismo. Por isso, na maioria das dietas para perder peso, esse é o primeiro grupo cortado. “Não há problema em consumi-los, desde que se controle a frequência e a quantidade. Não dá para comer doce todos os dias”, explica o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, do Hospital Infantil Sabará (SP). A recomendação é estabelecer o consumo de frutas como sobremesa e deixar os doces como exceção. “O carboidrato também é fonte de prazer. Comer um pedaço de bolo ou tomar um sorvete no fim de semana não tem problema”, diz. O alerta vermelho é para os açúcares livres, adicionados aos alimentos pela indústria, como sucos de fruta de caixinha, refrigerantes, cereais matinais e bolachas.
Por que é importante: o cérebro das crianças precisa de, pelo menos, 130 gramas de glicose por dia para funcionar, o que equivale a 1 pão francês + 2 colheres (sopa) de arroz + 1 concha de feijão + 1 copo de suco de laranja + 1 batata média cozida. Adultos precisam de 330 gramas. Principalmente para crianças de até 5 anos, que estão em pleno desenvolvimento, carboidratos são essenciais porque dão a energia que o organismo demanda nos processos de crescimento e na formação do sistema nervoso central.
GLÚTEN
A proteína, presente em grãos como trigo, cevada e centeio, se popularizou como substância inflamatória, que atrapalha a digestão e dificulta a perda de peso. É claro que há casos de intolerância, quando sua ingestão provoca desconfortos, como gases e inchaço. Mas, geralmente, a campanha contra ele está mais ligada à boa forma. “As pessoas emagrecem quando eliminam alimentos com glúten não por causa da retirada dele em si, mas porque deixam de consumir todo um grupo alimentar importante”, explica Elaine. É aí que mora o perigo. Os grãos que contêm a proteína são a nossa principal fonte de carboidratos, que fornecem energia e fibras. Retirá-los da dieta aumenta quase sempre a ingestão de gorduras e diminui a de fibras. Esse foi um dos malefícios de se restringir glúten para crianças apontado em um artigo da pediatra Norelle Reilly, diretora na Divisão de Gastrenterologia Pediátrica e do Centro de Doenças Celíacas da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos: “Os pais, às vezes, colocam os filhos em uma dieta sem glúten na crença de que isso evita a doença celíaca, ou que é uma alternativa saudável, sem fazer exames ou consultar um nutricionista”.
A fisioterapeuta Cristina Franco, 38 anos, foi diagnosticada com doença celíaca há um ano e, desde então, aboliu o glúten das refeições da família, ainda que os filhos, Valentina, 5, e Felipe, 3, não sofram com o problema da mãe. “Fora de casa, eles comem normalmente, já que a restrição é minha, não deles. Acho importante o convívio social e não impor a dieta.” A doença celíaca é uma condição de intolerância permanente ao glúten, que afeta 1% dos adultos e das crianças ao redor do mundo. É a única situação em que a proteína precisa ser completamente retirada da alimentação.
Por que é importante: o glúten como proteína não tem valor biológico para o organismo. Mas os grãos, massas e pães em que ele está presente são fontes de fibra, que regula o trato intestinal, previne doenças inflamatórias, diminui o colesterol e o diabetes, além de dar mais saciedade. A preferência deve ser para alimentos integrais, que, ao contrário dos refinados, mantêm as fibras, vitaminas e minerais. Cem gramas de arroz branco têm 0,4 g de fibra, enquanto a mesma quantidade do integral tem 1,8 g. Crianças até 2 anos necessitam de 5 g de fibra por dia. A partir do segundo ano de vida, o calculo é 5 g + a idade. Aos 3 anos, por exemplo, são 8 g (5 g + 3).
LEITES E DERIVADOS
Não faltam dietas por aí prometendo “enxugar” muitos quilos em poucos dias ao tirar a lactose, o açúcar do leite. Assim como o glúten, ela ganhou fama se ser inflamatória, provocar inchaço e desconforto gástrico, o que não acontece para todos. Em casos de intolerância, o corpo não produz a lactase (enzima digestiva que decompõe esse açúcar), ou a produz, mas em menor quantidade. Então, a lactose que não for quebrada vai chegar inteira ao intestino grosso. Lá, será fermentada por bactérias, provocando efeitos colaterais, como inchaço, cólicas, diarreia, dor abdominal e gases. Ainda assim, nem sempre há necessidade de abolir leites e derivados, apenas reduzir a quantidade ou optar por versões com redução de lactose.
Entre 2 e 3 anos de idade, pode ser que a criança apresente certa intolerância ao leite, já que ocorre uma diminuição natural da lactase nessa fase. Às vezes, até uma diarreia prolongada pode diminuir temporariamente a produção da enzima, causando uma intolerância transitória. Assim, em vez de suspender o consumo para sempre, vale tentar mais uma vez após um tempo. “O principal problema de retirar alimentos com lactose é reduzir tanto uma proteína de valor biológico boa, do leite, quanto o cálcio”, explica o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg.
A suspensão do consumo de leite e lácteos só é indicada quando há alergia à proteína do leite, uma reação do sistema imunológico. Nesse caso, a ingestão pode causar desde urticárias na pele até problemas respiratórios.
O leite desnatado só está liberado após os 10 anos, exceto quando a criança tem alguns tipo de restrição ao consumo de gorduras.
Por que é importante: leite e derivados são a principal fonte de cálcio, essencial na formação dos ossos. Sua deficiência está associada a retardo no crescimento, fraturas e osteoporose na vida adulta. A necessidade diária varia de acordo com a idade. Se entre 6 meses e 1 ano seu filho precisa de 270 mg do mineral por dia, por volta dos 2 anos a quantidade sobe para 500 mg. Como referência, 1 xícara de leite integral (250 ml) tem 290 mg de cálcio.
GORDURAS E ÓLEOS
Elas são vilãs para a nossa saúde e das crianças, certo? Errado! Elas são fundamentais na dieta infantil, sobretudo para o desenvolvimento neurológico nos dois primeiros anos de vida. Por isso, o Comitê de Nutrição da Academia Americana de Pediatria determina que não deve haver restrição de gorduras ou de colesterol, presente em alimentos de origem animal, até essa idade. Mas é fato que nem todas as gorduras são “do bem”. As monoinsaturadas, presentes no azeite e no abacate, e as poli-insaturadas, dos óleos vegetais e castanhas, são consideradas “boas”, já que reduzem o colesterol ruim (LDL), aumentam o bom (HDL), diminuem o triglicérides e ajudam a prevenir doenças cardíacas. Enquanto isso, as gorduras saturadas, associadas a alimentos de origem animal, como manteiga e carnes vermelhas, precisam de consumo limitado. As trans, presentes em bolachas recheadas, frituras, e industrializados em geral, devem ser abolidas da alimentação, segundo a Organização Mundial da Saúde. Além de estar associada à arteriosclerose – o entupimento progressivo de artérias –, ela se aloja em volta da cintura, chamada de gordura visceral, que fica entre os órgãos. Na cozinha, prefira o óleo de canola para cozinhar, o oléo de soja para as frituras de imersão e o azeite para finalizar os pratos.
Por que é importante: gorduras são fundamentais na formação cerebral, conectando os neurônios e aumentando a velocidade de transmissão de impulsos. Até os 3 anos, elas devem corresponder a 40% da ingestão diária recomendada em calorias. Após os 10 anos, esse número baixa para 25%. O consumo de gorduras saturadas não deve passar de 10% do valor energético diário total e varia de acordo com a idade.
SAL
Para começo de conversa, é preciso saber que o sal de cozinha, usado em casa, é composto de cloreto de sódio (NaCl). O sódio é um mineral que exerce importantes funções no organismo, como controlar a quantidade de água e de nutrientes dentro das células. “Crianças maiores de 2 anos precisam consumir até 2 g de sódio por dia. De sal, são 5 g, o que equivale a dois ou três sachês de restaurante para o dia todo”, explica Elaine. O grande perigo está nos produtos industrializados, que contêm quantidades altíssimas de sódio.
O excesso do mineral no organismo está ligado a problemas arteriais, cardiovasculares, aumento do colesterol ruim, diabetes e obesidade. Por isso, além de evitar alimentos prontos, deve-se utilizar no preparo da comida versões de sal light, que contêm 50% de cloreto de potássio e 50% de cloreto de sódio, o que reduz pela metade a quantidade total de sódio. Para dar sabor sem salgar, abuse de ervas aromáticas, como alecrim, manjericão e tomilho.
Por que é importante: ninguém vive sem sódio. O mineral regula a pressão arterial e também é importante para manter bons níveis de hidratação: o excesso pode levar à retenção de líquidos, mas a falta vai provocar desidratação, uma vez que as células não conseguem reter água sem o sódio. Além disso, o sal de cozinha é enriquecido com iodo, que regula o funcionamento da glândula tireoide.
Fonte: REVISTA CRESCER
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