Posted on 3 setembro, 2019 by Mauro Fisberg
Há alguns anos, tenho dado aulas sobre um tema que se chama Fome Oculta. E todas as vezes discutimos os conceitos de fome, que em todos os dicionários passa pelo desejo ou sensação fisiológica (portanto normal) do desejo de comer ou da necessidade de fornecer nutrientes para o nosso corpo. Oculto significa escondido e no jargão médico, algo desconhecido ou não visualizado inicialmente.
Para entendermos então este nome Fome Oculta, para nós profissionais de saúde, esta expressão significa uma carência não visível ou diagnosticada de vitaminas e minerais. E talvez este nome não seja tão correto, apesar de tão utilizado.
No mundo todo, aprendemos a associar fome com a ausência de comida, com a pobreza, com a suprema necessidade de comer, por não termos acesso ou por estarmos afastados das fontes de alimentação. O que vem na cabeça é a imagem de crianças desnutridas, em campos de refugiados ou nos países mais pobres. E a carência de vitaminas e minerais não necessariamente está associada ao nível social e econômico, a falta de alimentos ou a necessidade premente de comer. Muitos de nós temos falta de algumas vitaminas e minerais e não percebemos. Muitos achamos que estamos comendo bem ou até muito e temos carências de alguns destes nutrientes essenciais. Um dos grandes problemas de hoje é a carência nutricional de pacientes com excesso de peso, que podem comer muito, mas de poucos alimentos.
O outro aspecto a considerar é o termo oculto. A principal carência nutricional individualizada em todo o mundo é a de ferro, que atinge milhões e milhões de habitantes de todas as regiões da terra. O diagnóstico de anemia é facilmente realizado e a doença é diagnosticada por exames de sangue simples e presentes em praticamente todos os laboratórios do mundo. Por que oculto então?
Tudo começa com o quanto temos de evidência de que estas carências existem em diferentes níveis. Você provavelmente já ouviu dizer do conceito de “iceberg” ou das enormes montanhas de gelo, que tem camadas invisíveis muito maiores que as que estão fora da água e são as responsáveis pelos acidentes marítimos… Tratando-se de saúde, dizemos que uma doença simula o efeito “iceberg” quando conseguimos ver apenas uma pequena parte do processo, mas o que realmente está ocasionando o risco é o que não percebemos.
Assim, a anemia é apenas a ponta do “iceberg”, e facilmente diagnosticada, mas o grande risco e o que determina a nossa imensa preocupação é a falta de ferro anterior ao diagnostico da anemia. Nesta fase já temos efeitos importantes determinando modificações imensas do nosso potencial cognitivo ( inteligência, memória, capacidade de abstração, de resolução de problemas), que aparecem nas deficiências iniciais de ferro em nosso organismo, por falta de ingestão alimentar de alimentos ricos ou fontes de ferro, ou por perdas não diagnosticadas. O custo para nosso organismo, para a economia mundial, pela falta de diagnostico, pela perda de produtividade, pela maior facilidade de termos infecções, alterações do crescimento e desenvolvimento, em fase anterior ao diagnóstico clínico são imensos…
O que sabemos hoje é que apesar de que as vitaminas e minerais estejam presentes em verduras, legumes, carnes e derivados lácteos, um número muito importante de pessoas em todo o mundo apresenta um consumo abaixo do recomendado. Assim, estima-se que mais de 2 bilhões de pessoas possam apresentar fome oculta. As deficiências mais importantes são as de ferro, zinco e cálcio entre os minerais e deficiência de vitamina A, D e em algumas idades, das vitaminas C e do complexo B.
Se tivéssemos uma alimentação equilibrada, teríamos condições de ingerir todas as vitaminas e minerais em praticamente todas as fases da vida. No entanto, as condições de estresse, acesso aos alimentos, hábitos culturais, diferenças no nível educacional e econômico, levam a riscos nutricionais variados.
Além disto, algumas fases da vida são de maior risco como o período da gestação em que a necessidade de algumas vitaminas está aumentada e não é suprida pela alimentação, como ocorre com as vitaminas ácido fólico (B9) e vitamina B12, essenciais para a formação do tecido nervoso e para o desenvolvimento do feto, impedindo mal formações. No primeiro ano de vida as vitaminas A e D são essenciais, promovendo as defesas naturais, o crescimento dos tecidos ósseos, como esqueleto e dentes e prevenindo infecções. O ferro é como já dissemos importantíssimo no desenvolvimento, e está relacionado a inúmeras funções de transporte de nutrientes no sangue, formação de nossa capacidade intelectual e atua no sistema de defesa contra infecções. O cálcio, essencial para o crescimento, também age na função cardíaca e deve ser ingerido durante toda a infância, adolescência e na fase de adultos jovens, período em que o mineral tem melhor absorção, criando reservas para a fase mais velha de nossa vida, quando apresentamos carências do mineral no osso, levando a fraquezas e fraturas (a osteopenia e osteoporose).
Quando pensamos em vitamina D, parece que um número cada vez maior de pessoas em todo o mundo está apresentando algum grau de deficiência. A vitamina D é a única que tem duas fontes de entrada em nosso corpo, uma por ingestão de alimentos e outra por transformação na pele de precursores de vitamina por ação do sol. Vamos discutir isto com mais cuidado em uma postagem futura.
Talvez o termo -fome oculta- fique mais entendido se imaginarmos que o diagnóstico destas carências seja quase sempre mais tardio, quando o processo já está estabelecido e muitas das consequências importantes em nosso corpo já aparecem, antes de que possamos prevenir e tratar de forma adequada. Por isto, é essencial para o profissional de saúde faça o diagnóstico precoce, estabelecendo quem é de risco e modificando a alimentação e se necessário suplementando e tratando assim que fizer o diagnóstico. Com isto, a saúde deixará de se ocultar em situações que poderiam ser revertidas por cuidados populacionais e diagnóstico precoce.
Fonte: Alimente o Futuro
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